quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O perdão não é de graça




Ouvi muitas histórias de pessoas sofrendo assim, ao viverem com pessoas abusivas e manipuladoras que mentem com a Bíblia nas mãos, jurando inocência, e com a alma inundada de culpa, mentira e domínio do mal, possuídas e acorrentadas por seus próprios desejos obsessivos insaciáveis de romance, dinheiro, sexo, status, poder.

Mas há pessoas que não se importam se são ou não perdoadas. Elas simplesmente não se importam. Continuam em seus erros seguidamente ou com frieza para com a justiça, a verdade e o bom senso, ou com arrogância, prepotência, ironia, e sem a mínima emoção de remorso. Algumas delas são pessoas com transtorno de personalidade. Podem ser também pessoas muito dominadas pelas suas emoções e desejos mais instintivos e primitivos. Elas repetem os erros porque querem obter o que desejam de qualquer maneira.

Perdoar tais pessoas e manter relacionamento com elas como se tudo estivesse bem, é violação da justiça, é anti-cristão, é um abuso contra a verdade e o bom senso, é injustiça. Perpetua o problema. O Jesus que eu conheço diz para estes abusadores: “Eu perdôo você, mas vá, não cometa mais esse pecado, tire essa máscara hipócrita da sua vida e seja decente.”

Além disso, há o arrependimento egoísta que é aquele que o ofensor diz sentir, sem perceber que se arrepende pelo que perdeu e não pelo que fez de errado. Arrependimento correto é quando você sente nojo de si mesmo pela maldade cometida e decide não mais repeti-la porque isto é o correto. Ponto.

A vítima tem que tomar uma decisão de colocar um limite firme para os abusos destas pessoas manipuladoras, pois esta é a única forma delas poderem parar com os abusos, se quiserem isto, admitir que perderam o controle, e aceitar ajuda. Mesmo assim, diante de limites firmes, alguns continuam na prática do mal. Isto, então, exige um afastamento, pelo menos, da vítima desse abusador.

Há ofensores que têm imensa dificuldade de pedir perdão mesmo reconhecendo seu erro. Isto é comum em pessoas coléricas, autoritárias, agressivas verbalmente. Elas tendem a minimizar a dor do ofendido, classificando-o como sensível demais. Talvez o ofendido seja sensível demais mesmo, mas isto não anula o fato de que a pessoa autoritária tenha usado e costume usar palavras e jeito de falar agressivos, ríspidos, grosseiros. Uma coisa não elimina a outra.

Quanto mais devastadora foi a ofensa e quanto mais importante significado emocional havia no relacionamento entre a pessoa e o ofensor, maior a ferida e maior o tempo necessário para sua cura. Cada um tem um ritmo de cura.

Cura não significa que após o perdão tem que haver reconciliação. Alguns casos não há porque o ofensor foi longe demais ou porque ele não se interessa pela humilhação necessária para tratar a ferida ou porque a ferida destruiu a sustentação do relacionamento semelhante a um prédio abalado por um tremor que tem sua estrutura condenada pela Defesa Civil para a segurança de todos. Deus teve que destruir os antediluvianos porque eles não aceitaram o perdão e chegaram a um ponto de não-volta, de não-arrependimento, de não-perdão. Eles queriam prazer, mas não perdão, porque ficaram movidos pelas emoções, dominados pelos demônios da vaidade, da carnalidade, da mundanidade.

Nem todo ofensor quer cura do seu câncer emocional pessoal, mas egocentricamente pode querer cura do relacionamento. Perdoar não é desculpar os erros da pessoa. Também não é esquecer. Você pode lembrar, mas escolhe não mais se concentrar nisto. A desculpa existe quando se comprova que o ofensor é inocente. Mas para o ofensor real, a culpa é real. E ela tem um preço assim como o perdão.

Miguel Ángel Núñez, Ph.D., diz que o perdão é menos difícil quando os agressores se arrependem de verdade e fazem tudo para redimir os atos de violência e agressões. Quando não há isto, só um milagre da graça pode mudar a situação. Só quem vive uma situação como vítima de abuso, traição, violência é que sabe que dor é esta. “É fácil falar quando não se está vivendo a dor de ser agredido por alguém que diz que nos ama.” (“Violência e Perdão”, p.32, Sinais dos Tempos, da série “Quebrando o Silêncio”).

Não se deve coagir uma pessoa para perdoar. Isto é algo pessoal. É uma decisão pessoal. É resultado de um processo. Há um preço. Não é de graça. Após uma ofensa a pessoa precisa de um tempo para se recompor. O perdão tem que ser algo espontâneo. Você pode perdoar genuinamente e não querer reconciliação com o ofensor. É um direito seu.

Abusadores podem querer reconciliação sem assumirem as responsabilidades pelos erros. Isto é injusto e não cabe no perdão. Estas pessoas ficam fissuradas com medo de perder (o que já perderam na verdade) e querem que a vítima reate o relacionamento rapidinho como se tudo fosse uma questão de minutos e de um pequeno curativo, quando há sangramento na ferida. O preço neste caso é pago pelo tolerar a solidão e o afastamento devido aos erros cometidos. Um deserto ensina muito para as pessoas abertas para aprender ao atravessá-lo.

Dr. Núñez também explica que há uma diferença entre arrependimento e remorso. “Remorso é medo das represálias ou consequências legais pela ação realizada. Em vez disso, quem se arrepende vive de outra maneira.” (idem). Ou seja, muda.

O perdão não é de graça porque ele não livra a pessoa dos resultados de seus atos. O povo de Israel foi perdoado, porém, de cerca de dois milhões de pessoas que andaram pelo deserto após saírem do Egito, somente duas entraram na Terra Prometida. Havia um preço. “Aquele que maltrata outra pessoa física, sexual ou psicologicamente, tem que assumir as consequências de seu ato; caso contrário, o perdão não terá sentido nem significado. Perdoar não é passar por alto as consequências das agressões. Isto é injustiça. O perdão bíblico é sempre um ato realizado num contexto de justiça. Em nenhuma parte é um ato isento de responsabilidade. Seria confundir perdão com impunidade, e não é isso o que a Bíblia apresenta. ...Não se pode viver num contexto de rancor. Mas é importante entender que o perdão tem seu tempo de desenvolvimento, é pessoal e, em muitos casos, um milagre.” (Miguel Ángel Núñez, idem).

O tempo cura. Mas nessa cura pode haver, e em geral há, mudanças profundas no relacionamento entre as pessoas envolvidas. ...Um coração partido não se recompõe rapidinho com qualquer “band-aid” religioso ou não.


Dr. César Vasconcellos
http://www.portalnatural.com.br/saude-mental/vida-e-sentimento/